Colômbia: à esquerda pela primeira vez?

abril 17, 2022.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

Rua com prédios coloridos na Colômbia

Foto de Saul Mercado em Unsplash

Desde a criação por Simón Bolivar da Gran Colombia já lá se vão 203 anos, período em que jamais um governo de esquerda comandou a esse país que é o segundo da América do Sul em população. As eleições de 29 de maio próximo podem ser as primeiras a romper um ciclo que até aqui manteve o poder em mãos de uma elite conservadora e cristã que não costuma hesitar quando se trata de escolher quem deve comandar o seu país. Caso nenhum dos concorrentes consiga mais de 50% dos votos, haverá um 2º turno em 19 de junho entre os dois primeiros.

Dos nove candidatos que estão disputando o cargo de substituto do atual presidente Iván Duque para um mandato de quatro anos (2022 a 2026), a última pesquisa de opinião assinalou 34% das intenções de voto para Gustavo Petro de 61 anos, senador e ex-prefeito de Bogotá, concorrendo pela esquerda na legenda “Pacto Histórico (PH)”; 23% para Federico Gutiérrez, o Fico, da Coalisão direitista Equipo por Colombia e 12% para o centrista Sergio Fajardo da Coalisão Centro Esperanza, um professor moderado e ex-governador de Antioquia que no pleito anterior foi 3º atrás de Duque e Petro. De acordo com todas as análises, não há dúvida de que Petro irá para o 2º turno, repetindo o ocorrido na eleição de 2018, restando a indefinição para quem o desafiará. Os demais candidatos não têm chances, o que inclui Ingrid Betancourt da agremiação Verde Oxígeno que apesar de seu histórico de ter ficado seis anos como prisioneira das Fuerzas Armadas Revolucionárias de Colombia, as FARC, conta com apenas 3% de apoio dos eleitores.

Três semanas atrás ocorreram as eleições legislativas para compor um Congresso com suas 108 cadeiras de senadores e 172 de deputados. Pela primeira vez triunfou a esquerda, embora sem maioria absoluta. O Pacto Histórico terá 16 senadores e 25 deputados, praticamente empatado com os tradicionais partidos Conservador e Liberal (PC e PL). Uma vez mais o novo partido Fuerza Alternativa Revolucionaria del Común que, com a mesma sigla, é a versão legal das FARC, viu-se desprezada, tendo alcançado apenas 30.573 votos - quase 40% a menos que no pleito precedente - num universo de quase 18 milhões de eleitores que compareceram às urnas (para um total de 38,5 milhões de habilitados). Como votar não é obrigatório na Colômbia, a abstenção atinge números catastróficos fazendo com que mais da metade dos habilitados simplesmente não vote. Não obstante, de acordo com um dos itens consagrados quando do Processo de Paz de 2016, as novas FARC ocupam cinco cadeiras cativas de deputados.

Mesmo sendo a principal força política da Colômbia atual, os números obtidos pelo PH estão ainda longe de garantir-lhe a vitória final. Para isto, precisava ter definido a disputa no 1º turno, a fim de evitar o que aconteceu em 2018, quando perdeu diante de uma campanha que dizia: “Todos contra Petro”, difundindo a ideia de que ele transformaria o país em uma nova Venezuela e acendendo os brios de uma sociedade costumeiramente conservadora e temerosa frente aos excessos da esquerda. Naturalmente, há muita base para isso, num país que afinal ficou farto após 50 anos de guerra sem tréguas contra as FARC e o ELN, período em que a resposta preferencial do Estado se deu pelas armas. Como parte essencial do problema, o cultivo da coca e o tráfico da cocaína forneceram os recursos necessários tanto para a guerrilha quanto para os traficantes solidamente posicionados no governo colombiano.

Uma história de guerras

Historicamente na Colômbia políticos de esquerda ou reformadores sociais são eliminados, enquanto as forças de direita dividem o governo e a riqueza do país entre si. O pacto que uniu formalmente os Partidos Conservador e Liberal entre 1958 e 1974 fazendo-os dividir regularmente a presidência do país, de fato estendeu-se até o final do século passado e mesmo com as reformulações políticas recentes permanece vivo. A maior ameaça ao conservadorismo explodiu em 1948 quando Jorge Eliecer Gaitán, caudilho da ala mais contestatória e avançada do PL, mais do que favorito nas eleições presidenciais, foi executado com três balaços a queima-roupa, originando o Bogotaço (destruição parcial da capital) e os dezoito anos de duração de La Violencia, o mais complexo e terrível conflito da história colombiana que consumiu mais de 200 mil vidas.

Num modelo em que, até hoje, sequer um governo considerado progressista tenha comandado a Colômbia, no período mais crítico das ações das guerrilhas a estratégia norte-americana de combate ao terrorismo traduziu-se na aprovação do Plan Colombia que expandiu as forças armadas nacionais e fortaleceu o predomínio político absoluto das elites por meio de um pacote inicial de 7,5 bilhões de dólares.

Dentre vários outros exemplos, foram assassinados às vésperas da eleição de 1990 os candidatos da União Patriótica Bernardo Jaramillo e Jaime Pardo. Mesmo assim, naquele ano o engenheiro sanitarista Antonio Navarro Wolf, originário do Movimiento 19 de Abril – M19 (firmou um exitoso Pacto de Paz com o governo de Virgilio Barco em março de 1990), concorreu alcançando um terceiro lugar com 12,5% dos votos. Mais tarde ele foi senador e governador de estado, tornando-se a mais destacada figura da esquerda colombiana, logo secundado por Gustavo Petro.

Numa tentativa de virar o jogo a seu favor, o Pacto Histórico escolheu o nome da ativista ambiental afro-colombiana Francia Marquez como candidata na chapa a vice-presidente. Ela ganhou o Prêmio Ambiental Goldman em 2018 por sua luta contra a mineração ilegal de ouro e foi um dos três nomes mais votados nas primarias presidenciais de março. Será a voz feminina na campanha, e além disso negra, representando os desfavorecidos num país onde a política é um domínio de homens brancos e ricos. É, porém, uma aposta de alto risco que em seguida começou a criar problemas com declarações dadas por Francia contra o ex-presidente César Gaviria, que até aqui garantia o apoio do Partido Liberal, algo que seria essencial para aumentar as chances de vitória final do PH. Gaviria, ao ser tachado de “representante do neoliberalismo” e de ser “mais do mesmo” reagiu de imediato, rompendo o diálogo com o partido de Petro. Em outra declaração de efeitos práticos duvidosos, Francia anunciou planos de basear sua campanha em Medellín, justamente a base dos partidos políticos de direita. O segmento afro-colombiano representa 9% da população.

Por essas e outras, aumentam as probabilidades de que o conservadorismo colombiano uma vez mais se mantenha no poder, repetindo com Fico (como constará na cédula eleitoral ao invés do nome de Federico Gutiérrez) o que sucedeu na eleição de 2018 quando Ivan Duque do Centro Democrático (lançado por Alvaro Uribe) derrotou Petro com 54% dos votos no 2º turno.

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