Peru, em nova encruzilhada, não sabe por onde ir

abril 09, 2022.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

Homem em topo de morro segura bandeira do Peru sobre a cabeça em Apurimac, Peru.

A atual blitzkrieg comandada pela ala política mais à direita do espectro político peruano a fim de derrubar o presidente eleito Pedro Castillo oito meses e oito dias depois de sua posse, na verdade não é uma novidade para este país andino que uma vez mais se debate numa aguda crise sem aparente solução.

No período da independência do jugo espanhol, entre 1821 e 1845, vinte e quatro regimes comandaram o Peru numa média de um presidente por ano, cada qual reformulando a Constituição sempre que seu tempo no governo lhe bastava para tanto. Agora, como lembrou Aníbal Torres, o quarto primeiro-ministro empossado nesta administração, nos últimos cinco anos o Peru teve 5 Presidentes e 3 Congressos.

As dificuldades já eram esperadas. Nem bem se haviam apurado os votos do 1º turno nas eleições presidenciais do Peru, em 7 de maio do ano passado e os caminhos a serem trilhados já estavam claros para a raivosa oposição de extrema direita que sentia no ar uma nova derrota de Keiko Fujimori, a filha de Alberto, o mais trágico dos ditadores que o país já teve. As manchetes dos jornais do dia não tinham dúvidas: “Comienza a organizarse el golpe de estado contra Pedro Castillo”. À época, o escritor Mario Vargas Llosa ― prêmio Nobel de Literatura que na velhice transformou-se no mais reacionário dos escritores latino-americanos e que em 1990 possibilitou a ditadura ao perder (devido a seu programa ultraliberal) uma eleição totalmente ganha para o então desconhecido Fujimori pai ― conclamou os peruanos a votarem no partido Fuerza Popular e em Keiko, a sua candidata.

Na verdade, o professor cajamarquino e chotano Pedro Castillo (52 anos, nascido em Chota na província nortista de Cajamarca, limite com o Equador), sem ter qualquer antecedente político projetou-se ao liderar uma greve nacional do magistério por melhores condições de ensino. Em seu programa de governo propôs educação e saúde pública gratuitos, nacionalização de setores estratégicos e uma “economia popular de mercado” (imaginando algo parecido com as experiências chinesa e vietnamita) com uma nova Constituição. Não conseguiu, até aqui, concretizar tais ideias, pois encontrou um país em tensão política e social desde a saída de Fujimori em novembro de 2000 e, mais recentemente, da queda em 2018 do presidente Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, hoje em prisão domiciliar por ter recebido suborno da brasileira Odebrecht.

Venceu as eleições por estreitíssima margem, com 50,125% dos votos contra 49,875% de Keiko Fujimori. Ela, que já perdera por uma diferença de 1,4% para Ollanta Humala em 2011 e por 0,24% para PPK em 2016, pediu recontagem, gritou por ter sido supostamente esbulhada, mas o órgão eleitoral peruano terminou por validar cada voto e sua nova derrota. Inconformada, ela lançou seus apoiadores na arena e acionou a mídia numa campanha violenta de desmoralização de um governo que, inexperiente, não esperava por um enfrentamento tão absoluto e sem regras desde o início do mandato.

Ao que tudo indica, o erro maior de Castillo foi o de não consolidar o apoio popular que lhe dera a vitória eleitoral, o que explica estar atualmente com só 27% de apoio ao seu governo nas pesquisas. Talvez pensando que se tornara realmente importante pois, afinal, é o Presidente do Peru, passou a conversar muito, tentando agradar a quase todos. Para frisar suas origens populares adotou como marca o sombrero chotano, um chapéu branco de palha e abas largas, mas agora o abandonou e a estas alturas já nomeou quatro gabinetes. Na tentativa de agradar a gregos e troianos, mantém um ministério progressista, mas com quatro ministros de direita nas pastas de Justiça, Economia, Interior e Cultura.

A oposição força ao máximo e já apresentou duas moções de censura para o impeachment de Castillo “por incapacidade moral permanente” (até fins do século XIX o termo constitucional dizia “mental” no lugar de “moral”). Fracassou em ambas as tentativas. Na mais recente só 55 dos 130 parlamentares votaram a favor do impedimento, quando era necessário o apoio de 87. Não há maioria definida no Parlamento. O partido de Castillo, o Peru Livre, tem 34 deputados e a bancada que o apoia reúne 54 parlamentares. Já o Fuerza Popular de Keiko (2ª, maior agremiação política no Congresso) conquistou 24 cadeiras para o atual período legislativo que vai de 2021 a 2026. A direita liberal, reunida na Ação Popular e Somos Peru, receia perder força para a extrema direita fujimorista e negocia com o governo, até aqui garantindo-lhe a não aprovação dos insistentes pedidos de impeachment dos extremistas.

Nas ruas, sucedem-se as marchas pedindo a cabeça do presidente, numa pressão infernal que o governo não consegue controlar nem com decretos de estado de sitio de curta duração e até aqui limitados às duas cidades maiores: Lima e Callao. Os brasileiros, costumeiramente de costas para a América Latina, em sua grande maioria só se deram conta dos problemas políticos vividos pelo Peru quando o jogo desta semana do Flamengo contra o Sporting Cristal em Lima esteve a pique de não ser realizado por causa de um decreto de “imobilidade populacional” entre as 2 da manhã e ½ noite que à última hora foi revogado, mesmo assim permitindo o jogo com portões fechados, sem torcida.

Exercendo o cargo de “Presidente do Poder Judicial” e da “Corte Suprema de Justicia”, Elvia Barrios Alvarado solicitou ao Presidente da República a convocação de um Conselho de Estado para que junto com o Legislativo “unifiquem esforços e adotem compromissos sobre políticas públicas”, o que equivale a traçar uma rota comum de ação para superar as manifestações e, enfim, permitir que o governo governe. Castillo já eliminou o imposto sobre combustíveis e deu aumento de 10% no Salário-Mínimo, mas os bloqueios dos caminhoneiros contra a alta dos preços de gasolina, diesel e gás prosseguem. Tanto a pandemia, que ocasionou 200 mil mortes num país de 32,9 milhões de habitantes, quanto a guerra Rússia x Ucrânia que fez escassear a oferta de petróleo, de chips e de inumeráveis componentes necessários ao comércio e à indústria, acrescentam pressão sobre o sistema de saúde e sobre a economia, facilitando as coisas para a oposição que não quer explicações e culpa a nova administração por todos os problemas de ontem e de hoje enfrentados pelo Peru.

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