AJUSTE FISCAL E A SAÚDE

setembro 20, 2015.

[caption id="attachment_2299" align="alignright" width="300"]MInistros Levy e Barbosa, barba por fazer e cara de enterro anunciam pacote fiscal em 13 de agosto de 2015 em Brasília MInistros Levy e Barbosa, barba por fazer e cara de enterro anunciam pacote fiscal em 13 de agosto de 2015 em Brasília[/caption]

Ao lado dos inegáveis sucessos conquistados durante seus quase 27 anos de existência, o SUS – Sistema Único de Saúde – padece com três grandes problemas: o financiamento sempre insuficiente devido à baixa prioridade que tem merecido de parte da área econômica, a gestão com frequência classificada como precária e a concorrência desleal (que deveria ser um modelo de atuação integrada e compensatória) dos Planos de Saúde que ultimamente vêm merecendo seguidos agrados e favores do governo federal. Embora seja classificado como um sistema universal, ou seja, para todos, o subsistema privado da saúde suplementar além de prestar serviços ao SUS, sob contrato ou credenciamento, cobre diretamente a 25% da população brasileira. Ainda assim os números do SUS são impressionantes: de acordo com o Portal Brasil em 2014 responsabilizou-se pela realização de 1,4 bilhão de consultas médicas e por 1,5 milhões de internações hospitalares, beneficiando pessoas que de outra forma não teriam como resistir ou mesmo sobreviver.

Com o Brasil em plena recessão econômica e com o governo em crise política, discute-se um polêmico ajuste fiscal considerado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy como a única alternativa disponível para zerar um espantoso déficit de 30,5 bilhões de reais nas finanças do governo, acumulado pela administração federal em função de desajustes históricos e recentes. No meio do tiroteio em que se transformou a discussão (pelos políticos, pela mídia e pela sociedade) do “Pacote do Levy”, sobrou munição para atingir programas sociais nas áreas da educação e da saúde, entre outras.

A oitava medida do Ajuste prevê um corte de R$ 3,8 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde (MS), “a ser compensado posteriormente com emendas parlamentares” pelo que foi dito pelo ministro do Planejamento Nelson Barbosa durante a apresentação ao público na 2ª. feira, dia 14 de setembro deste 2015. Além de que a compensação anunciada depende da concordância dos parlamentares, ela se soma a restrições anteriores. O orçamento do MS aprovado para 2015 e unanimemente considerado como insuficiente pelo setor foi de R$ 109,23 bilhões. Um primeiro decreto publicado no Diário Oficial de 22 de maio cortou R$ 11,77 bilhões e um segundo decreto, em 29 de julho, retirou mais R$ 1,7 bilhão. Com a nova facada desferida pelo atual Ajuste, a redução total feita em apenas 84 dias chega a R$ 17,27 bilhões, equivalendo a 16% do orçamento anual.  Já consciente do ambiente de dificuldades que cerca as finanças setoriais, o Conselho Nacional de Saúde há poucos dias aprovou uma dotação de R$ 96 bilhões para 2016 que, na prática. não tem a menor garantia de efetivo repasse aos cofres do Ministério.

Em análise recente, o professor Aquilas Mendes (Faculdade de Saúde Pública da USP) depois de lembrar que os gastos de saúde do MS na última década mantiveram-se praticamente estáticos em torno de 1,7% do PIB (enquanto o pagamento da dívida consumiu cerca de 6,8% ao ano), diz que a maior parte dos recursos está comprometida com repasses aos estados e municípios que não podem ser alterados. Assim, com severos prejuízos aos usuários, os cortes devem comprimir gastos, p.ex., com ações de média e alta complexidade prejudicando a realização de exames mais complexos e serviços hospitalares; atenção básica (excetuados gastos com o programa Mais Médicos); ações de vigilância sanitária e epidemiológica e a oferta de medicamentos.

Por seu turno o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB), composto por organizações que tradicionalmente apoiam o SUS e o MS, em reunião no último 11 de setembro, numa tímida reação afirma que “as ameaças que pairam sobre o SUS são de tal magnitude que podem, em se realizando, vir a concretizar, em curto prazo, o colapso dos serviços por ele correntemente prestados à população brasileira” e, como se não estivesse ocorrendo uma compressão sistemática do orçamento setorial, acrescenta a esperança de que “essa situação somente poderá ser impedida se as ações e serviços de saúde realizados pelos SUS forem considerados prioritários”. Vale acrescentar que as entidades, tradicionalmente conhecidas por sua combatividade, optaram por não se pronunciar a respeito do caráter sistemático dos bloqueios orçamentários do setor e do surpreendente desvio de finalidade de uma hipotética (e não desejada pela população) recriação da CPMF agora rebatizada como CPPrev, com previsão de proporcionar mais R$ 32 bilhões à Previdência Social a fim de custear aposentadorias e benefícios concedidos pelo INSS (mesmo assim, não cobre o prejuízo que só em 2014 foi de R$ 56 bilhões – diferença entre a arrecadação de R$ 338 bi e o gasto de R$ 394 bi).

Enfim, persistem sérias dúvidas na população brasileira se é válido proporcionar mais dinheiro a uma administração pública que, em última análise errou tanto ao ponto de produzir o rombo que hoje quer transferir à sociedade. Ceder hoje significa aceitar que todos deverão ceder novamente amanhã e depois de amanhã, pois a causa do problema, que é a própria maneira como o setor público é gerido, não desaparece. (Vitor Gomes Pinto - Doutor em Saúde Pública, Escritor, Analista internacional).

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