O último japonês

setembro 30, 2021.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

Aglomerado de pessoas cruzando a rua em Tóquio

Um retrato do Japão de hoje

Caso as variantes demográficas atuais se mantenham, de acordo com as previsões do professor de economia Hiroshi Yoshida da Universidade Tohoku de Sendai, o Dia da Criança habitualmente lembrado a cada 5 de maio, no ano de 3011 será comemorado com uma só criança no país. Nesse ano morrerá o último japonês, apenas algum tempo depois do derradeiro sul-coreano. A atual população de 0 a 14 anos que é de 16,6 milhões está diminuindo à razão de 1 pessoa a cada 100 segundos.

O país do sol nascente, exemplo em termos de modernidade, respeito pelo outro e sucesso econômico, que atualmente é o 10º no mundo em termos populacionais, já em 2100 terá encolhido para a 38ª posição após perder 47% de seus habitantes (vide: Projeções populacionais de um Malthus às avessas). Isso ocorrerá de forma “natural”, ou seja, sem qualquer interferência de fatores externos como desastres ou guerras.

O momento da mudança (em relação à tendência de aumento lento e contínuo da população) no Japão aconteceu em 1975, quando a Taxa de Fertilidade caiu abaixo de 2 filhos por mulher, que é o limite de reposição. Agora a taxa já está em 1,34, uma das mais baixas do mundo. Ocorrem, a cada ano, mais mortes do que nascimentos, um fenômeno conhecido como Population Death Cross (Cruz da morte populacional, em tradução literal) que, se não puder ser revertido, fará com que os japoneses estejam extintos em 1.000 anos.

Resumindo os fenômenos sociais mais significativos observados no Japão atual:

  • 1 em cada 10 mulheres casadas não quer filhos;
  • número de nascimentos atingiu seu mínimo em agosto (em 2020 o nº total de 840.832 foi o menor desde 1899);
  • casais optando por ter um só filho estão crescendo e a quantidade de partos está minguando;
  • casamentos diminuem com baixas recordes a cada novo ano. Em 2020 o total de casamentos registrados foi 12,3% inferior ao do ano anterior;
  • de acordo com a agência Reuters, há 1,63 empregos disponíveis para cada pessoa que procura trabalho;
  • cada ano fecham 500 escolas. Nos últimos dez anos cerraram suas portas 5 mil escolas em função do reduzido número de crianças;
  • Três de cada dez japoneses têm mais de 65 anos. A Expectativa de Vida ao nascer será, em 2060, de 90,93 anos para as mulheres e de 84,69 para os homens. Espera-se, em compensação, que um mundo com mais idosos poderá ser um mundo mais pacífico.

Antes, a Coreia

Um dos principais tigres asiáticos do ponto de vista econômico, a Coreia do Sul é candidata a trilhar o mesmo caminho demográfico escolhido pelo Japão, mas o fará de maneira ainda mais acelerada.

A manutenção dos indicadores atuais indica, com base na quantidade cada vez mais baixa de nascimentos, que a população coreana estará extinta no ano de 2.750. A Taxa de Fertilidade é de 1,19 filhos por mulher e a população de 50 milhões de habitantes, nesta marcha, encolherá para 10 milhões em 2.036, segundo as simulações fornecidas em Seul pelo Dr. Yang Seung-yo para a New Politics Alliance for Democracy.

O total previsto para 2.100 (de 20 milhões de pessoas) será similar ao de 1.930 durante a ocupação japonesa. O processo de extinção afigura-se como gradativo e inexorável e deverá começar pela cidade portuária de Busan, onde eventuais migrantes são barrados e o derradeiro nascimento dar-se-á em 2.413 (na capital Seul, em 2.505).

Robôs sim, imigrantes não

Os dois países, agora símbolos da paz, do desenvolvimento e dos avanços tecnológicos, não esquecem sua conflituosa relação trazida de um passado imperial não tão remoto.

No início do século XX, em 1904 e 1905, a guerra entre Japão e o Império Russo pela Manchúria, nordeste da China e Coreia, terminou com o triunfo japonês sobre a atrasada monarquia czarista, resultando na transformação da Coreia em um Protetorado. Cinco anos depois o Japão anexou a Coreia que virou sua colônia pelas quatro décadas seguintes. A ocupação japonesa caracterizou-se por uma permanente repressão e, durante a 2ª. Grande Guerra, pela utilização das coreanas como “mulheres de conforto” para servirem aos soldados japoneses (vide: Mulheres de conforto só para japoneses). Nas escolas coreanas ensinava-se o idioma japonês e as crianças obrigatoriamente deviam receber um nome nipônico.

O final da 2ª. Guerra, com Tóquio arrasada, Hiroshima e Nagasaki bombardeadas, trouxe a presença dos mariners norte-americanos e a proibição de que o país mantivesse um Exército, o que acabou sendo benéfico ao possibilitar que o sempre avultado volume de recursos exigido pela ação militar fosse empregado em iniciativas voltadas para o desenvolvimento nacional. Em seu lugar surgiram as Forças de Autodefesa do Japão.

Enquanto isso, a Coreia seguia com sua sina, sujeita à cobiça da vizinhança. Em julho de 1953 afinal foi firmado um Tratado de Paz dando fim à Guerra iniciada em 1950 e que resultou na existência da Coreia do Sul sob influência dos Estados Unidos e da Coreia do Norte apoiada pela União Soviética e, depois do seu colapso, pela China.

Com o passar do tempo, consolidou-se no Japão e na Coreia uma forma de nacionalismo étnico pelo qual cada nação guarda um profundo conceito absolutamente próprio com base em linhas sanguíneas e o autorreconhecimento de que são raças únicas. Muito difundido, o termo “Danil minjok” significa “raça pura coreana”.

Diante da aparente inevitabilidade do declínio populacional, a rejeição radical a outras etnias passa a ser um problema difícil de ser contornado. Mesmo eventuais intercâmbios entre os dois é visto com maus olhos. A população japonesa é constituída por 97,8% da própria raça. Os 2,2% de estrangeiros tem uma maioria de chineses, seguida pelos coreanos, vietnamitas, filipinos e em 5º lugar os brasileiros (embora o Brasil detenha a maior comunidade japonesa fora do Japão). O isolamento dos coreanos nas cidades nipônicas já diminuiu, mas sem dúvida permanece. “Zainichi”, facilmente identificados pelo sotaque ou pelas características físicas, são coreanos residentes no Japão sem a cidadania japonesa.

Há um Comitê oficial com base em Tóquio para a “Eliminação da discriminação Racial”, até o momento pouco efetivo. De maneira geral há no Japão o temor de que imigrantes podem ser perigosos para a sociedade. Assim, enquanto outros países procuram solucionar suas dificuldades demográficas incorporando imigrantes, no Japão e na Coreia persiste a negativa prática em receber trabalhadores estrangeiros.

Ao invés disso, e depois de que políticas governamentais estimulando migrações internas para cobrir eventuais regiões carentes não deram resultados significativos, a aposta principal para compensar a crescente demanda por trabalhadores estrangeiros (como mão de obra barata) tem sido no uso da tecnologia e da robótica. “Robôs sim, imigrantes não” continuam dizendo, esquecendo-se de que, pelo menos até aqui, as máquinas não produzem crianças.

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