Mamãe Índia agora só quer dois filhos

julho 23, 2021.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

Meninas dançando em costumes indianos

Foto de Pavan Gupta em Unsplash

Mamãe Índia acolhe e protege a todos os indianos, não importa sua condição social. Agora, no entanto, chegou a um ponto em que é preciso fazer algo para conter o aumento populacional ou as dificuldades para que todos sobrevivam tornar-se-ão insuperáveis. As previsões são de que em 2025 a China será ultrapassada e a Índia será a nação mais habitada, com um em cada seis moradores do planeta.

Tabus na sociedade indiana e a nova política

Dois temas continuam sendo tratados como tabus e, por isso mesmo, estão na base da dominante força política do ultradireitista Partido Popular da Índia – BJP, Bharatiya Janata Party -, que segue derrotando eleitoralmente o Partido do Congresso dominado pela família Gandhi (provisoriamente sua líder é Sonia, nora de Indira): a estrutura de castas e a superpopulação. Para o primeiro, a “solução” tem sido o regime de cotas que dá empregos e vagas nas escolas para os excluídos da rígida estratificação que ainda prevalece na sociedade. Quanto ao segundo, não há estatística que consiga fazer com que seja discutido com racionalidade pelos pobres que temem pagar o pato e pelos políticos.

Com base em dados do ano 2020, a Índia tem 1.380.004.385 habitantes, um aumento de 11,8% comparado a dez anos antes (foi de 16,8% na década precedente). O ritmo de crescimento vem diminuindo e atualmente em 24 dos 29 estados as famílias já alcançaram o padrão de 2,1 filhos por mulher, a taxa de fertilidade que permite manter um mesmo ritmo de crescimento. Mas o bicho-papão da explosão populacional continua sendo usado pelo BJP em apoio a suas teorias fascistas de superioridade racial do hinduísmo. 80% dos indianos são hindus e 14% muçulmanos (6% de outras raças) que, mesmo assim, ainda são 193 milhões de pessoas. Fossem um país, estariam como o 8º mais populoso do mundo.

Entre os estados que superam a média nacional de crescimento populacional está o mais populoso de todos: Uttar Pradesh com 200 milhões de habitantes e uma fertilidade de 2,7 filhos por mulher no início desta década (é de 1,94 no Brasil) que, no entanto, na acelerada marcha atual baixará para 2,1 em 2025 devido ao comportamento assumido pelos casais que não mais desejam famílias grandes por problemas de custos, condições de moradia e tendência a seguir novos hábitos adotados pelos mais jovens.

De olho nas eleições de janeiro do próximo ano, o BJP resolveu produzir um fato novo para mudar o foco e conter o avanço da oposição, com a proposta da “Lei Populacional de Uttar Pradesh: controle, estabilização e bem-estar”, pela qual um casal com mais de 2 filhos não mais terá acesso a cargos e a programas públicos de apoio; não poderá candidatar-se nas eleições de qualquer nível, enquanto o atual funcionalismo perderá o direito a promoções. Em compensação os que tiverem 2 filhos gozarão de duas promoções adicionais na carreira, pagarão impostos menores e terão subsídios para comprar casa ou terreno, além de terem um depósito de 3% na parcela governamental do Fundo de Previdência. Já aquelas com 1 só filho merecerão 4 promoções, bem como estudo e atenção à saúde gratuitos para o filho até os 20 anos de idade.

Para os que não são funcionários públicos, a promessa é de reduções nas contas de água e luz, no “IPTU” local, ademais de empréstimos bancários favorecidos.

Reações e descrenças

A oposição grita a mais não poder, mas fica difícil entendê-la, afora os exageros, considerando que no mundo de hoje se a Índia não é superpopulosa, quem é? Para Kavita Krishnan do Partido Comunista, a lei proposta para Uttar Pradesh se baseia na “premissa racista” de que a Índia tem superpopulação, mas medidas similares impostas na China pioraram a relação proporcional entre os sexos e o mesmo ocorrerá na Índia, onde as mulheres não controlam as decisões relativas ao número de crianças em uma cultura fortemente patriarcal. Já J. Muttreia, uma diretora da Fundação Populacional da Índia, contradiz as evidências ao dizer que o alarme pela “explosão populacional” não é comprovado pelos dados, pois em sua opinião “ela não existe nem na Índia nem em Uttar Pradesh”.

Mais racional parecem ser as análises de observadores atentos da realidade indiana. O Programa de Planejamento Familiar oficial é voluntário e coloca nas mãos dos casais a decisão sobre o tamanho da família e as educa para adotarem métodos sem coerção. Consideram que a limitação em dois filhos será pior para os mais empobrecidos e os mais vulneráveis, inclusive porque a agressiva pandemia da Covid-19 agravou ainda mais as desigualdades e tornou mais vulneráveis os mais marginalizados. Uma alternativa seria que o governo local (também de Assam e Karnataka, igualmente governados pelo BJP) focasse especificamente nos distritos onde a fertilidade é mais alta.

As perspectivas, caso a lei seja aprovada, são de que a verdadeira explosão ocorrerá no número de abortos indesejados, no abandono de crianças para ruas que já estão por elas superlotadas, no aumento dos filhos meninos em detrimento das meninas e no fortalecimento do cerco policial às “minorias muçulmanas”.

População global em declínio gradativo

O mundo está nitidamente diminuindo a expansão de seus habitantes. O 1º bilhão, alcançado em 1804, dobrou somente em 1927, mas precisou de apenas outros 33 anos para chegar em 1960 ao terceiro bilhão. Então, saltou para 4 bi em 1974; para 5 bi em 1987; para 6 bi em 1999; para 7 bi em 2011 e alcançará o oitavo bilhão em 2024. Como se vê os quatro últimos saltos mantiveram-se em intervalos entre 12 e 13 anos.

Com dados de 2021, os treze países com mais de 100 milhões de habitantes reúnem 61% da população global, mas os que mais cresceram na última década estão todos fora deste circuito, a maioria na África; nomeadamente e pela ordem entre 4,01% e 3,04%: Bahrain, Níger, Guiné Equatorial, Oman, Uganda, Maldivas, Angola, República Democrática do Congo, Burundi e Chade.

Já as nações que mais perderam habitantes nos últimos cinco anos concentram-se na Europa oriental com uma exceção: Lituânia 1,48%; Letônia 1,15%; Venezuela 1,13%; Bósnia e Herzegovina 0,81% e Bulgária 0,71%. As causas da redução no país sul-americano são distintas dos demais, pois residem no êxodo ocasionado pelo regime chavista de governo.

O Brasil com 212,5 milhões de habitantes é o 6º do mundo em população, entre o Paquistão (220,9 milhões) e a Nigéria (206,1 milhões), tendo expandido em 8,6% seu contingente populacional entre 2010 e 2020, o que significou uma ativa desaceleração em comparação aos 12% da década anterior; dos 17,3% do período 2000-2010 e dos 34,73% dos anos entre 1950 e 1960.

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