Partido Comunista Chinês, um jovem aos 100 anos

julho 03, 2021.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

A Cidade Proibida, Pequim, China, a partir da Praça Tiananmen

Foto de Nick Fewings em Unsplash

Em 1º de julho de 1921 nascia, para o bem e para o mal, o Partido Comunista da China – PCCh – pelas mãos de Chen Duxiu, cuja história de vida reflete os altos e baixos de sua criação.

Tempos de guerras

O poder imperial como forma de governo é uma sólida tradição chinesa, remontando a mais de 2.000 anos. A dinastia Xia, a primeira de todas no século XX a.C., perdurou por mais de quatrocentos anos. Mesmo assim, a queda do último imperador e da Dinastia Qing em 1912, após 268 anos no poder, foi uma surpresa para os chineses que não conheciam outra forma de governo e demoraram muito para entender as bases da República estabelecida por Sun Yat-Sen que, ao morrer, foi substituído por Chiang Kai-Shek. O ódio ao Japão, que permanecia após a recente guerra sino-japonesa quando a China perdeu a Coréia e Taiwan, somava-se à decepção pelos resultados do Tratado de Versalhes que dera fim à 1ª; Guerra mundial e não favorecia a China apesar de seu apoio ao bloco vencedor. Hong Kong e Shanghai já estavam em mãos dos britânicos.

O levantamento estudantil de 4 de maio de 1919 na Praça Tianamnem marcou esse tempo de mudanças, quando as ideias marxistas e anarquistas ganhavam força entre os intelectuais do país, já com a sustentação do exemplo proveniente da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia. Depois de um período de cooperação com o conservador Kuomintang estourou a guerra civil opondo comunistas e nacionalistas. O Partido Comunista, surgido como o resultado do congresso realizado em Shanghai de 23 a 31 de julho de 1921, não demorou a romper violentamente com Kai-Shek num conflito que perdurou por vinte e dois anos (1927 a 1949), mesclando-se à 2ª. Guerra Mundial.

Chen Duxiu foi o primeiro Secretário-Geral do partido até 1929, sendo expulso por discordar de Mao Tsé-Tung. Preso, Duxiu terminou se associando à oposição de esquerda internacional de Leon Trotsky e faleceu só, como professor, em 1942.

Mao, por seu turno, reinou até sua morte em 1976, sendo sucedido por Deng Xiao-Ping e, logo, por Jiang Zemin, Hu Jintao e desde 2012 pelo atual Xi Jinping que já modificou as normas de modo a assegurar-se no comando até o fim da vida. Durante o período de Mao na liderança o PCCh fortaleceu-se extraordinariamente, apesar dos contínuos expurgos internos e do insucesso de suas principais políticas. Como consequência do Grande Salto para a Frente estabelecido em 1958 (conhecido como A Grande Fome) e da Revolução Cultural de 1966 (O Grande Caos), estima-se conservadoramente que morreram entre 45 e 80 milhões de chineses.

Em descrição pormenorizada feita no livro “A história da China Popular no século XX” (Editora FGV, 2012), Shu Sheng comenta algumas das consequências mais atuais do processo de desenvolvimento do país dizendo que “os chineses no início do século XXI podem trocar de emprego, viajar para o exterior, reclamar em programas de rádio sobre buracos nas ruas, mas não podem criticar publicamente o Partido e seus líderes. Aqueles que ousaram se pronunciar foram imediatamente silenciados”.

A longevidade do PCCH

Fenômeno sumamente complexo, as razões para que o PCCh atinja seu centésimo ano de vida mostrando um invejável vigor são múltiplas, segundo analistas que não deixam de assinalar os exemplos de Cuba, Coréia do Norte, Vietnã e Laos, os outros países governados por partidos marxistas mas que nunca chegaram próximo da façanha do partido chinês que conduziu a China a uma fantástica transformação a partir da tragédia patrocinada por Mao Tsé-Tung até se tornar a segunda principal economia do mundo.

No caso da Rússia de Vladimir Lenin, a Constituição que definia “o Partido Comunista como o líder e a força motriz da sociedade soviética e o núcleo de seu sistema político”, foi reformada em 1993 eliminando o papel compulsório do PC ou de qualquer outro substituto ao fazer constar um novo conceito: “não será estabelecida nenhuma ideologia estatal obrigatória”.

Ainda assim, é difícil compreender a longevidade do comunismo chinês. Dentre as muitas interpretações feitas durante o processo ou, hoje, a posteriori, a publicação britânica The Economist arrisca-se a apontar três razões: a) nenhuma concessão aos inimigos do regime e emprego da crueldade sempre que necessário. À violenta repressão aos protestos populares da Praça Tianamnem em 1989 seguiram-se, já na atualidade, a pressão sobre a população muçulmana Uighur no estado de Xinjiang e as crescentes restrições à autonomia administrativa de Hong Kong. Entretanto o partido, depois de forçar as famílias a seguirem as políticas de “um filho só” e de “2 filhos”, usando a violência sempre que preciso, agora não sabe bem o que fazer diante de milhões de casais que decidem não adotar a nova lei que permite três crianças apesar dos incentivos oferecidos, por acharem que filhos são muito caros para criar; b) capacidade de adaptação ideológica após as mudanças promovidas por Deng Xiaoping desistindo da ortodoxia comunista para adotar o capitalismo de Estado; c) ao invés de absorver os ganhos financeiros do forte crescimento econômico chinês, mesmo permitindo o surgimento de grandes fortunas individuais, o partido de fato repartiu com a população boa parte do sucesso econômico alcançado, abolindo o pesado imposto sobre a produção rural, reforçando e ampliando o sistema educacional (gratuito até o 9º ano), o regime de pensões e subsidiando os programas de cuidados à saúde, medidas que agradaram sobremaneira a população.

Cabe acrescentar uma quarta explicação, diretamente ligada ao amplo controle que o partido detém. Com cerca de 91 milhões de filiados o PCCh está em quase toda parte por meio de suas 5 milhões de células partidárias e uso de tecnologias avançadas de controle. Tanto nas escolas quanto nas unidades de saúde, p.ex., a presença de um membro do partido é obrigatória. Com a extraordinária expansão das empresas privadas, inclusive nas multinacionais, militantes são sempre introduzidos entre os funcionários ou empregados. As células estão nas empresas governamentais e distribuídas pelos bairros e ruas, fazendo parte “normal” da vida dos chineses, que avaliam positivamente o papel exercido pelo partido. Acostumados desde sempre, consideram que o regime de um só partido no comando é o correto e é o responsável pelo progresso alcançado pela nação. O modelo ocidental multipartidário “é o caos”, dizem.

A existência de câmeras por toda parte é um componente usual nas cidades chinesas, sendo aceito sem protestos os mecanismos de identificação pessoal por meio de imagens que, se necessário, são conectadas aos bancos de dados de maneira a identificar com precisão assustadora as informações armazenadas no sistema sobre cada um.

O Presidente Xi Jinping está no topo de um partido que administra cerca de 40% do PIB nacional – algo em volta de 6 trilhões de dólares. Em parte por isso a China é considerada como uma “Non Market Economy” ou NME na sigla em inglês, embora já seja parte da Organização Mundial do Comércio desde 2001. Uma NME se evidencia pela existência de distorções na economia e nos preços de seus produtos provocadas pela ingerência do governo no comércio, o que impossibilita determinar se as exportações de bens têm um “valor razoável”. Em especial os concorrentes reclamam de benefícios indiretos como empréstimos a taxas de juros preferenciais; redução no custo de energia, insumos e no preço da terra; incentivos ao uso de tecnologia e restrição da concorrência em seu mercado, pois o governo controla as fontes de financiamento.

Confúcio e as religiões

Confúcio nasceu na província de Shandong em 531 a.C. As “Anacletas”, publicadas depois de sua morte, constituem uma coleção de aforismos, reunindo princípios tradicionais chineses como uma sociedade ordeira, deferência aos idosos, respeito por regras benevolentes. Suas ideias decaíram gradativamente no século XX, tornando-se uma maldição a partir de 1949, pois Mao o tachou de burguês e reacionário. Baniu-se as anacletas durante a Revolução Cultural e textos do profeta foram queimados, professores agredidos pelos jovens alunos com alguns mortos a fim de eliminar quaisquer vestígios do confucionismo.

Após a morte de Mao o partido promoveu uma lenta reabilitação do mestre já na presidência de Hu Jintao, mas foi com Xi Jinping que o confucionismo de fato renasceu para os chineses. Ele disse: “este é o solo cultural que nutre o povo chinês”, invocando os ideais de um filósofo com quase 2.600 anos e os colocando ao lado do culto a Mao Tsé-Tung para justificar os caminhos mais modernos de sua gestão. Por mais confuso que isso possa parecer, na prática se encaixa como uma luva à luta permanente pela manutenção do poder, endeusando as virtudes de uma sociedade harmônica com respeito absoluto à autoridade. Em 2004 a China abriu o primeiro Instituto Confúcio na Coréia do Sul, onde recentemente o confucionismo tornou-se um verdadeiro saco de pancadas para a política local, sendo responsabilizado por tudo o que de positivo ou extremamente negativo acontece por lá. Hoje existem 550 desses Institutos, normalmente ligados a universidades mundo afora e dedicados a promover a cultura tradicional chinesa, o idioma e a cozinha.

A China é um Estado ateísta. Pesquisa recente do Instituto Gallup constatou que 67% da população é constituída por ateus, enquanto 23% declaram não ter religião e 7% são religiosos, o que corresponde a 100 milhões de pessoas. A religiosidade não é banida e a liberdade de culto é nominalmente protegida. O Partido Comunista considera que religião e militância não são compatíveis. São oficialmente reconhecidos como religiões o budismo, taoismo, islamismo, catolicismo e protestantismo.

Presente e futuro

Não há dúvida de que o Partido Comunista Chinês é hoje uma fortaleza e tanto seu prestígio na sociedade quanto seu poderio são incontestes, o que lhe assegura um porvir seguro pelo menos no horizonte de médio prazo.

Na prática é um sistema de governo vitalício de estilo monárquico sob o comando de um partido único no qual contestações e greves não são admitidas. No fundo, a abdicação ao trono do imperador-menino Puyi em 1912, longe de significar o término definitivo do império, apenas representou o fechamento do período dinástico, mantendo e prolongando ao infinito o padrão real em que todo o poder fica concentrado na figura daquele que consegue acumular força suficiente para comandar a “santíssima trindade”: a Presidência da República, o Partido Comunista e o Exército.

A “República” não tem o mesmo significado conhecido no Ocidente, devendo ser interpretada como algo adaptado às características asiáticas, ou “valores asiáticos” que devem ser cultivadas pelo “presidente”, ou seja, pelo “imperador” de turno, no caso Xi Jinping: trabalho árduo, disciplina, educação e respeito à autoridade. Os resultados desta fórmula são sumamente positivos no campo econômico: das 500 maiores empresas do mundo, 119 são chinesas. O PCCh não é mais o motor da revolução e sim da manutenção do poder, mas funciona hoje tão bem ou melhor do que antes. Sua agilidade e boa forma não denunciam sua idade verdadeira. Parece um garoto de 80.

Tags: [Política]