Paquistão, um país que não deu certo

julho 30, 2018.

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Após 22 anos na oposição, afinal Imran Khan, aos 65 anos de idade, vence e será o 1º Ministro ao longo dos próximos cinco anos, governando o Paquistão à frente do centrista Tehreek-e-Insaf (PTI, Movimento da Justiça), por ele mesmo criado e 3º colocado nas eleições anteriores, de 2014. O vencedor de então, Nawaz Sharif da Liga Muçulmana Nawaz (PML-N), em abril último foi preso e condenado a dez anos de cárcere por corrupção, forçando a substituição pelo seu irmão Shabbaz Sharif. Completando a tríade de postulantes principais, pelo Partido Paquistanês Popular (PPP) concorreu Bilawar Bhutto Zardari, cuja mãe Benazir Bhutto foi assassinada por um comando talibã em 2007. Das 272 cadeiras em jogo nesse 25 de julho para a Assembleia Nacional, equivalente à Câmara de Deputados, o PTI conquistou 116 contra 64 do PML-N, 43 do PPP e 47 dos demais (outras 2 a apurar). País de predomínio absoluto islâmico, o Parlamento ainda inclui 60 cadeiras para as mulheres (52% da população, mas sistematicamente discriminadas) e 10 para as minorias, ou seja, outras religiões: cristãos, sikhs e ahmadis. Estas bancadas são obrigadas a permanecer separadas num espaço próprio na sala de sessões e não são consideradas para o estabelecimento da maioria necessária para governar que é de 137 votos. Não tendo conseguido atingir este patamar o PTI será forçado a estabelecer alianças, em princípio com partidos nanicos.

O principal desafio, além do atraso do país, do fundamentalismo radical e das conturbadas relações com a vizinhança, é a inevitável submissão aos militares que, mais recentemente forçaram (com apoio de Khan) a saída do 1º Ministro Nawaz Sharif e desta feita preferiram um governo civil dando sustentação à campanha de Khan, cuja fama vem de ter sido o capitão da equipe nacional campeã do mundo de críquete em 1992. Agora ele se considera incorruptível e um exemplo de austeridade, embora sem experiência administrativa. De família pashtun, a maior etnia do Paquistão com base em Lahore na populosa província de Punjab, tem sido um crítico contumaz dos políticos tradicionais e da estratégia norte-americana no Afeganistão, prometendo criar 10 milhões de empregos e construir 5 milhões de casas para os mais pobres. Além de lidar com os descrentes dos processos eleitorais que numa proporção de 46% dos votantes inscritos não compareceram às urnas e enfrentar os demais partidos, dependerá do espaço que os militares lhe concederem. A exemplo do que ocorre na China e na Turquia, no Paquistão os militares possuem um império econômico cuja face mais aparente é a Fauji Foundation (Fundação do Soldado), uma poderosa corporação que possui bancos, empresas de segurança privada, universidades, panificadoras, fundos de pensão e produz cimento, petróleo, cereais, fertilizantes, batatas, macarrão, leite, etc. Um grande número de militares da ativa ou reformados exerce funções de relevância em empresas públicas e subsidiadas pelo Estado. Paralelamente, na crítica área educacional, multiplicam-se as madrassas, escolas onde os filhos dos ricos aprendem as bases do Islã, mas que também preparam quadros para organizações terroristas como a Al Qaeda e o Talibã.

No front externo há cinco grandes nós a serem desatados: a) os talibãs no limítrofe Afeganistão, mas com forte presença também dentro do Paquistão, para os quais Khan acena com conversações de uma improvável paz; b) Índia, permanente rival nuclear, inimiga no campo religioso e adversária na Caxemira; c) China, com o objetivo vital de manter os investimentos de US$ 62 bilhões destinados ao Corredor Econômico  China-Paquistão (CECP);  d) Estados Unidos, tradicional aliado e forte apoio financeiro ao regime imperante em Islamabad por seu insistente apoio ao combate à Al Qaeda, ao Talibã e ao Estado Islâmico; e) remoção do nome do país da Lista Cinzenta do Grupo de Ação Financeira Internacional, organização fundada em 1989 para combater lavagem de dinheiro e terrorismo financeiro, crítica para a obtenção de financiamentos internacionais. O Paquistão, na última reunião do grupo, em Paris 4/2018, foi penalizado por deficiências relativas ao forte tráfico fronteiriço.

No curto prazo há que superar as alegações da oposição de que fraudes grosseiras contaminaram o pleito. “Esta foi a mais suja das eleições”, disse o senador Mushahid Husain do PML-N, ecoando os protestos gerais de que os militares exerceram severa pressão sobre partidos e eleitores não relacionados ao PTI. No quadro de radicalismo religioso imperante, persiste vigente a lei de 1987 firmada no governo ditatorial de Zia ul-Hak, que pode punir com a morte acusados de blasfêmia contra o Islã ou o profeta Muhammad. É verdade que dos 1.472 condenados nestas três últimas décadas, nenhuma execução foi cumprida, mas nestas eleições o estreante Tehreck-e-Labbaik, partido islâmico que defende a morte aos blasfemadores, teve alguma votação provincial credenciando-se a um papel mais ativo de ora em diante. O Paquistão, ancorado em suas bombas atômicas, é um país que não deu certo. Resta agora saber se Imran Khan firmar-se-á como um novo e autêntico líder civil ou se será apenas mais um títere dos militares que aí reinam desde sempre. (VGP)

ATUALIZAÇÃO - KHAN EMPOSSADO

Apesar dos protestos dos demais partidos, Imran Khan foi empossado pelo Parlamento paquistanês em sessão de 16/8/2018, com o apoio de 176 votos frente a 96 conferidos ao PML-N. Segundo o resultado oficial da eleição de 25/7, o PTI de Khan obteve 115 cadeiras, o PML-N 64; o PPP 43; os demais 48.

Com esta composição, por um lado se faz necessária uma aliança de partidos para alcançar a maioria e, de outro lado, Khan deve enfrentar dura oposição pelo menos no início de seu mandato. Os militares, no entanto, devem colocar as coisas nos eixos, como sempre fizeram.

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