Colômbia, sempre à direita

junho 19, 2018.

Ao que tudo indica, a Colômbia está fazendo o possível para repetir seu fracasso de 1987. Três anos antes, o clima de crescente enfrentamento entre guerrilheiros e o governo tivera um momento de alivio na administração de Belisario Betancur, quando se firmou uma trégua e um cessar fogo geral, que à época só não obteve a adesão do ELN (Exército de Liberação Nacional). Contudo, o Congresso negou apoio aos esforços pacifistas do Executivo e os conservadores convenceram o eleitorado de que o caminho do acordo com a esquerda estava equivocado, fechando-o em definitivo ao eleger Virgilio Barco como novo presidente. Ademais de interromper qualquer negociação, o governo aproveitou-se da legalidade em que viviam os membros da UP - União Patriótica (a face legal das FARC e do Partido Comunista) e mais tarde do movimento M-19 para persegui-los e eliminá-los. Mais de 3 mil militantes dos grupos de esquerda foram assassinados por grupos paramilitares com apoio do Exército e o resultado foi o rompimento do acordo de paz e a retomada da guerra.

Agora o que se vê é um novo Acordo de Paz duramente costurado por Juan Manuel Santos e as FARC colocando um ponto final em mais de 50 anos de terror, cada vez mais sendo ameaçado por uma direita raivosa comandada por Alvaro Uribe que acaba de eleger Iván Duque como o novo Presidente. O plebiscito de 2016 por estreita margem e sob baixíssimo comparecimento popular já desaprovara o Acordo de Havana, como que expressando um desejo subconsciente de continuar com os atentados, com a guerrilha, com as mortes. As semelhanças com a história de trinta anos atrás são impressionantes, pois até o candidato da oposição, Gustavo Petro, carimbado como “esquerdista” (porque na juventude militou no M-19) viu-se obrigado a explicar porque não era um bolivariano chavista nem nunca pretendera transformar a Colômbia numa nova Venezuela.

À exemplo da UP, agora as FARC se transformaram em partido político, mesmo que adotando sigla idêntica – Força Alternativa Revolucionária dos Comuns. Em janeiro apresentaram seu líder Rodrigo Londoño, o Timochenko, como candidato à presidência, além de vários concorrentes às eleições legislativas. Foi o suficiente para estimular a direita a retomar os ataques: nos últimos meses pelo menos 50 dirigentes e ativistas das novas FARC foram assassinados. Londoño renunciou à candidatura alegando doença e o partido decidiu suspender a campanha, com o que recebeu apenas 85 mil votos no 1º turno (num total de quase 19 milhões de eleitores). Mesmo assim, Londoño enviou mensagem de congratulações a Duque: “É o momento da grandeza e da reconciliação, respeitamos a decisão da maioria e felicitamos o novo Presidente. Agora a trabalhar; os caminhos da esperança estão abertos”. Durante a campanha, Duque reiterou que não pretende anular o Acordo, mas que o modificará.

Enquanto isso, os sinais de instabilidade se multiplicam. Já são 1.200 os guerrilheiros que se negaram a deixar as armas, unindo-se a um dos muitos grupos dedicados à criminalidade e ao narcotráfico país afora. No Departamento de Nariño, a sudoeste do país entre a cordilheira e o oceano Pacífico junto à fronteira com o Equador, os habitantes da cidade portuária de Tumaco não notam diferenças com o passado. Ao contrário, a situação se deteriora a cada novo dia. “Antes era a Coluna Daniel Aldana das FARC. Hoje reina El Guacho, um ex-guerrilheiro, e já são doze grupos: a Gente del Orden ligada ao Clan del Golfo, as Guerrillas Unidas del Pacífico, a Frente Olivier Finisterra e por ai se vai”, diz um morador, indicando que nos campos em torno da cidade cada vez mais se expandem os cultivos de coca.

[caption id="attachment_5257" align="aligncenter" width="222"] Colombia administrative divisions   es   colored box svg  222x300 Colômbia e seus 32 Departamentos, em 6/2018[/caption]

Petro é reconhecido como um competente administrador graças à sua gestão como prefeito de Bogotá. À guisa de consolo, num país onde a direita tem predominado de forma absoluta, com seus 8 milhões de votos no 2º turno é o candidato de esquerda mais votado na história colombiana. A isso se junta o centrista (na verdade centro-esquerda) Sergio Fajardo, cuja plataforma baseou-se no combate à corrupção, que alcançou nada desprezíveis 4,5 milhões de sufrágios na primeira volta. Ainda assim, a Colômbia profunda permanece conservadora e não confia em programas e propostas mais populares. As multidões reunidas nas praças nos comícios de Petro acabaram por fortalecer a direita, elegendo Duque, um jovem ex-funcionário do BID em Washington que já prometeu copiar Donald Trump instalando a sua embaixada em Jerusalém. Juan Manuel Santos, Prêmio Nobel da Paz, deixou o complicado processo de paz com o ELN em aberto, uma fronteira frágil pela qual entram cada vez mais desesperados venezuelanos e, ao mesmo tempo, um triunfo sonoro: a adesão da Colômbia à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – tem 37 membros incluindo México e Chile) e o reconhecimento como o primeiro “sócio global” latino-americano da OTAN.  (VGP)

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