Itália e Espanha: crises permanentes

junho 02, 2018.

As crises italiana e espanhola parecem não ter fim, realimentando-se a partir de seus próprios desencontros. A Europa inteira e em especial a União Européia olham para o sul com preocupação crescente, pois as ameaças de retrocesso se multiplicam desafiando conquistas antes inimagináveis cujo símbolo maior é o euro como moeda comum.

Na Itália, já lá se vão três meses sem governo, depois que as eleições de março resultaram numa guinada populista com forte tendência para a direita, mas sem uma definição clara dos ganhadores. Em conjunto, o Movimento 5 Estrelas (M5E) recentemente formado pelo palhaço Beppe Grillo; a Liga (Lega del Norte); a Forza Italia de Berlusconi; os Irmãos da Itália; os Livres e Iguais, com seus aliados obtiveram 349 cadeiras, mais da metade do total de 630 deputados que compõem o Parlamento. No entanto, nenhum dos grupos conseguiu representação suficiente para impor-se, o que tornou obrigatória a composição com outros que, longe de serem aliados tradicionais, têm políticas e propostas radicalmente distintas. Dono da maior votação proporcional o M5E (32,7%) comandado pelo jovem Luigi di Maio inicialmente se propôs a governar sozinho. Quando não conseguiu, descartou o bando de Berlusconi e se aliou à Liga de Matteo Salvini.

Discussões intermináveis e bloqueios de todo lado afinal produziram um acordo mínimo e a apresentação de uma proposta ao Chefe de Governo Sergio Mattarella que, aos 88 anos, entre suas atribuições tem a de vetar toda a chapa ou algum dos ministros nela incluídos. E foi o que fez, pela primeira vez na história republicana moderna da Itália por motivos ideológicos, negando-se a aceitar a indicação para 1º Ministro de Paolo Savona, 81, o mais notório economista antieuro do país. “Pedi alguém de reputação reconhecida, mas não um defensor da saída da Itália do euro”, disse Mattarella. Depois de mais algumas idas e vindas e diante da única alternativa que seria a convocação de eleições, foi marcada a posse do novo governo chefiado por um economista de perfil técnico, mas desconhecido pelos políticos e pelo país. Giuseppe Conte, 53, jurista e professor afiliado do M5E, será o novo 1º Ministro italiano a partir de agora, comandando um aparentemente caótico ministério que inclui dois vices (Di Maio, acumulando a pasta do Trabalho, e Salvini que também será ministro do Interior); o vetado Paolo Savono, mas como ministro de Políticas Comunitárias e Giulia Grillo como ministra da Saúde apesar de ter se oposto à lei de vacinação obrigatória (de 2017) para crianças por achar que cabe aos pais decidirem sobre o melhor para seus filhos. Entre as sugestões oferecidas pela nova coalizão dirigente figuram a redução dos impostos e a concessão de uma “renda básica de cidadania” a quem estiver abaixo da linha de pobreza, sem contrapartida laboral, de 780 euros (R$ 3.400,00).  O presidente Mattarelli não impediu a nomeação de Matteo Salvini que além de propugnar pela secessão do norte da Itália, quer expulsar meio milhão de imigrantes ilegais. O governo terá 19 ministérios: 9 para o M5E, 6 para a Liga e 4 com técnicos sem partido. Quatro são mulheres.

Na Espanha, ainda não recuperada dos atentados em Barcelona e da guerra contra os independentistas da Catalunha, após 6 anos e meio como 1º Ministro (o cargo é de Presidente do Governo) finalmente Mariano Rajoy caiu. O Partido Popular (PP), de direita, foi derrotado em uma moção de censura apresentada ao Parlamento com base no caso Gürtel que é de 2007 e só agora incriminou formalmente por corrupção a altos funcionários do partido. É a ressurreição do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), cujo líder Pedro Sánchez substituirá Rajoy, apesar de ter sido duramente derrotado nas eleições de dois anos atrás. Para conseguir os 176 votos que asseguraram a maioria do total de 350, Sánchez com seus míseros 85 deputados teve de vender a alma, unindo-se aos autonomistas do Partido Nacional Vasco (PNV) graças ao apoio finalmente dado pelo presidente da “Lendakari” (Comunidade Autônoma Vasca), Iñigo Urkullo. “Dentro da nação que é Espanha, existem outras nações”, declarou Sánchez que defende a integridade do país, mas por certo logo terá problemas, pois tanto os catalãos quanto os cidadãos de Bilbao não abrem mão de suas lutas pela separação e pela independência.

[caption id="attachment_5234" align="alignright" width="300"] 101833112 047158150 300x184 Giuseppe Conte, novo 1º Ministro, cumprimenta o presidente da Itália, Sergio Mattarella, em Roma - 31/5/2018[/caption]

Num primeiro momento o orgulhoso PSOE afirma que governará só, mas será difícil evitar a parceria com o esquerdista Podemos. Na oposição perfilar-se-ão o PP e o Ciudadanos que vem crescendo muito na preferência popular. Restam dois anos para encerrar a atual legislatura, um tempo no qual o PSOE, caso consiga governar, terá de mostrar que chegou ao poder não apenas num golpe de mão, por um oportunismo que soube aproveitar o cansaço geral com a administração dos conservadores. (VGP)

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