Índia e Paquistão, 70 anos depois

agosto 30, 2017.

72789808 7aa0f469 5996 4dae a89c 9b84967fece8 300x202 Um mês depois de assinado o decreto que permitiu a retirada britânica e a independência da Índia e do Paquistão em agosto de 1947, numa pequena cidade fronteiriça do Punjab os moradores estranharam a chegada de um trem fantasma, cujo teto negro escondia seu interior. Logo os aldeões foram convocados a trazer toda a madeira disponível e querosene para uma grande fogueira; depois tiveram de cavar as fossas para enterrar os corpos dos mil passageiros, todos hindus, enviados desde o outro lado, do Paquistão. A história da aldeia é contada por Khushwant Singh, ele mesmo um Sikh, em “Trem para o Paquistão” (Ed. Grua, S.P., 2012). Sem controle possível, a estação ferroviária de Lahore no lado paquistanês (e também a de Aritsar no lado hindu) estava coalhada de corpos de indianos massacrados por ativistas assassinos muçulmanos, à espera do próximo trem que levaria sua carga macabra para a Índia. Quando este chegou, completamente lotado de corpos de muçulmanos, a multidão que assistia ao espetáculo pareceu enlouquecer.

O todo poderoso Império Britânico instalou-se na Ásia em 1757 com a Companhia das Índias Orientais, um século depois substituída pela própria Coroa de Sua Majestade a Rainha, que lá permaneceu até ir embora em 1947, cumprindo com a promessa feita durante a 2ª. Guerra Mundial quando 2 milhões e meio de indianos lutaram ao lado dos aliados contra Hitler. Jawaharlal Nehru era o 1º Ministro da Índia, mas as massas ouviam as ideias de não engajamento militar do Mahatma Gandhi, pouco válidas diante dos inflamados discursos belicistas de Muhammad Ali JInnah, o Governador Geral paquistanês. A partição foi feita pelo Vice-Rei inglês Lord Louis Mountbatten que fez questão de assinar de próprio punho o Acordo, primeiro dia 14 em Karachi e 24 horas depois em Nova Delhi (por esse motivo a independência do Paquistão e da Índia é, ainda hoje, comemorada com um dia de diferença). As novas linhas divisórias foram traçadas pelo advogado inglês Sir Cyril Radcliffe, que nunca antes havia posto os pés no continente indiano. Mal os soldados britânicos iniciaram sua retirada, a matança começou, acompanhando o êxodo forçado de 7,5 milhões de hindus rumo ao leste e outros tantos muçulmanos fugindo para o oeste. Nestas jornadas ao menos um milhão perdeu a vida, num dos maiores massacres étnicos da história da humanidade.

Apanhados no centro do conflito, os Sikhs – cuja religião é monoteísta e não aceita o sistema de castas – que sempre se concentraram no estado do Punjab onde constituem 13% da população, aderiram à causa da Índia. Por seu lado os britânicos – assustados com o que viram em 1857 quando, na revolta nacionalista contra o domínio da Coroa, tiveram de enfrentar hindus e muçulmanos lutando lado a lado como irmãos que de fato eram – seguiram a máxima romana de dividir para governar. Ao final conseguiram dividir, mas já não mais lhes foi possível governar.

O nascimento de Bangladesh, as guerras na Caxemira e o poder nuclear

Enquanto a Índia, contra todos os prognósticos, pouco a pouco se transformou num vigoroso estado democrático, os generais em sucessivos golpes militares adonaram-se de um Paquistão mal desenhado pelos ingleses, pois sua banda ocidental distava mais de 1.800 km do lado oriental, no golfo de Bengala (com a Índia no meio). Uma das primeiras medidas adotadas foi de impor o Urdu (que nenhum dos bengalis falava) como único idioma nacional. Geograficamente isolados e não aceitando as ordens impostas pelo governo de Karachi e mais tarde por Islamabad, embora também devotos da fé muçulmana os bengalis se revoltaram contra o West Pakistan (Paquistão do Oeste), terminando por obter em 1971 a separação e com ela a independência de Bangladesh.

No extremo oposto do continente indiano, ao norte, o estado da Caxemira, encravado no Himalaia, tornou-se um barril de pólvora e palco de outras três guerras, em  1947, em 1965 e em 1989, esta altamente perigosa pois os dois países já possuíam armamento nuclear. Hoje a Caxemira está dividida em três partes: 48% é o estado de Jammu Kashmir ocupado pela Índia; 35% é dominado pelo Paquistão e 17% pelo território Aksai Chin e pela maior parte do glaciar Siachen sob gestão da China.

Em 1988 Índia e Paquistão alcançaram a posição de potências nucleares e hoje contam respectivamente com 110 e 130 mísseis com ogivas atômicas, implementando dois dos mais ambiciosos programas de mísseis do mundo. Nestas condições toda vez que os dois gigantes se confrontam, seja por ataques terroristas em suas grandes cidades, seja nas sempre conflituosas fronteiras na Caxemira, o Globo treme.

23% da população mundial

Em conjunto, 1,3 bilhões de indianos, 196 milhões de paquistaneses e 165 milhões de bengalis constituem quase 23% da população do planeta neste ano de 2017.

Por ocasião da retirada dos britânicos em 1947, o continente indiano tinha cerca de 350 milhões de habitantes. 84% deles definiam-se como hindus (294 milhões), 9,8% como muçulmanos (34,3 milhões), 1,9% eram sikhs (6,5 milhões), restando 4,3% (15,2 milhões) divididos entre budistas, cristãos, animistas e outros. De cada cem apenas dezoito eram alfabetizados e a esperança de vida ao nascer limitava-se a 32 anos. Depois do intenso movimento migratório inicial, sobreveio uma calma relativa que possibilitou a permanência de muita gente em “território inimigo”, ou seja, grandes grupos de muçulmanos continuaram vivendo na Índia, enquanto outros tantos mesmo sendo hindus não abandonaram o solo paquistanês. Já os sikhs, tratando de conservar intactos seus princípios, práticas de vida e crenças, tiveram de dividir-se, pois sua terra de origem foi cortada desigualmente pela “linha Radcliffe colocando-os compulsoriamente nos novos estados do pequeno Punjab indiano e do grande Punjab paquistanês.

Autonomia e independência parecem ter sido boas mais para uns do que para outros. Apesar das intensas desigualdades internas, a Índia é hoje a 7ª economia do mundo com um PIB de US$ 2,26 trilhões (superior à marca brasileira que está em US$ 1,8 trilhão). Paquistão e Bangladesh com PIBs respectivamente de US$ 284 bi e 221 bi ainda têm longos caminhos pela frente para recuperarem o atraso. Uma consequência da superpopulação está na ainda sofrível divisão da riqueza, observada pelos dados relativos ao PIB per capita dos três gigantes asiáticos: US$ 1.582 para a Índia, US$ 1.450 para o Paquistão e US$ 1.287 para Bangladesh, até aqui inferiores ao patamar brasileiro de US$ 8.670 segundo dados do Fundo Monetário Internacional.

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