A crise e os governos subnacionais

julho 30, 2016.

O artigo dos Profs. José Roberto Afonso e Vilma da Conceição Pinto, do qual Mundo Século XXI publica a seguir um resumo, expõe com franqueza e em termos duros a situação dos estados brasileiros diante da crise econômica nacional. Chama a atenção até mesmo para a eventualidade de que o não equacionamento do estado quase falimentar em que se encontram os governos estaduais pode levar a uma sucessão de intervenções federais, hipótese que certamente só contribuiria para agravar ainda mais o instável quadro político e econômico atual.

Para ler o texto em sua íntegra, veja o Informe JRRA 1148 em https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/15631f16ab11dc12 ou consulte diretamente o Boletim Macro IBRE de julho/2016.

Em Foco IBRE: Rumo à falência dos governos estaduais?

Vilma da Conceição Pinto e José Roberto Afonso. In: Boletim Macro IBRE (Instituto Brasileiro de Economia), Julho de 2016

Governos regionais já faliram nos Estados Unidos, como ocorre com empresas e bancos. Essa figura não existe especificamente no direito brasileiro, mas a prática não está muito distante. A Constituição prevê a intervenção federal nos Estados em várias hipóteses, inclusive o não pagamento da dívida. Talvez em estágio anterior a esse extremo, o Estado do Rio de Janeiro decretou calamidade pública por razões financeiras, formalmente reconhecida pelo governo federal para lhe conceder uma ajuda financeira extraordinária. A mesma exceção já teria sido decretada por prefeituras, até de grande porte (como Teresópolis e Betim). É curioso que, até há pouco, o Brasil era reconhecido no exterior, até por organismos multilaterais, como um dos casos mais bem-sucedidos de disciplina fiscal dos governos subnacionais.

Raros são os Estados com redução da dívida nos últimos anos. O limite para essa dívida, fixado pelo Senado em duas vezes a receita corrente líquida anual, foi ultrapassado, ou está próximo de sê-lo, exatamente pelos três Estados que aparecem no noticiário como aqueles em pior situação financeira (RS, MG e RJ). A União contribuiu diretamente para essa deterioração porque a maior parte dos novos créditos foi tomada com garantias dadas pelo Tesouro Nacional, inicialmente para organismos multilaterais, depois para seus próprios bancos.

A situação fiscal dos governos subnacionais é pior do que aparece nas estatísticas divulgadas pelo Banco Central. Este conta apenas dívidas bancárias porque, mesmo depois das famosas pedaladas, ainda são ignorados os demais compromissos, apesar de todos governos contarem a despesa pelo regime de competência e os demais passivos constarem nos balanços. Nem mesmo se conta o saque de depósitos judiciais, até mesmo de terceiros. No passado, apenas prefeituras de pequeno porte e do interior se financiavam basicamente por meio dos restos a pagar, quitados no ano seguinte, com atrasos crescentes. Esta prática agora também se generalizou entre os Estados, de modo que fornecedores, empreiteiros e servidores têm sido convertidos forçadamente em financiadores dos governos estaduais. O Rio de Janeiro, como se vê, não é uma exceção. Mas, por sua dependência das receitas de petróleo, antecipa e potencializa as dificuldades financeiras que alcançarão, ainda que mais tarde, também os outros Estados, assim como prefeituras, se não forem superadas as razões de crise tão grave.

Além da óbvia retomada do crescimento, será inevitável refundar o regime próprio de Previdência (urgente recalibrar as alíquotas das contribuições); impor e reduzir teto de salários, vedada qualquer vinculação de um para outro governo e de um para outro Poder; apurar corretamente o limite de gasto com pessoal da LRF e aplicar as sanções já determinadas na Constituição (que podem chegar à demissão de servidores concursados, se não for aceita a redução da jornada de trabalho e de salários); e, do lado da receita, trocar o obsoleto ICMS por um moderno e amplo imposto sobre valor adicionado.

Estas são apenas algumas propostas que, em comum, são tanto mais necessárias e inevitáveis quanto mais são rejeitadas ou negadas pelos interesses políticos. Em sua maioria, elas dependem de decisões nacionais, seja pela coordenação e liderança do Executivo, seja pela aprovação no Congresso e posterior confirmação nas Cortes Superiores.

Pode ser social e politicamente muito perigoso tratar a crise dos Estados como se tivesse sido causada por suas próprias decisões e, o mais arriscado, como se cada um tivesse condições suficientes para a superar apenas com medidas próprias. Estados são provedores de serviços sociais básicos (como ensino, saúde e, sobretudo, segurança pública) e o desarranjo financeiro pode levar a grave comprometimento da ordem pública e daí tornar inevitável uma intervenção. Afastadas as autoridades locais, caberá ao interventor federal responder pela coisa pública e pelas contas públicas e, na prática, passará ao outro nível superior de governo (isto é, à União) a responsabilidade de equacionar a crise. O desafio de evitar e depois superar a falência dos Estados é tão grande e complexo quanto o custo social e político que imporá, que extrapola as fronteiras regionais.

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