Venezuela, vítima de Chávez e de Maduro

fevereiro 27, 2015.

Nas edições em espanhol de meu livro Guerra nos Andes (Ed. Abya-Yala, Quito) incluí um capítulo intitulado “Venezuela se torna uma vítima de Hugo Chávez”. Agora, dez anos mais tarde, a manchete é ainda mais atual, mas a ela é preciso acrescentar o nome do motorista de ônibus que se tornou Presidente da República graças à escolha feita por seu padrinho pouco antes de morrer em 2013. A adoração a Chávez se mantém, com sua imagem nos outdoors espalhados por toda parte, nos discursos oficiais ou nas TVs chapa branca (todas) que não cansam de reapresentar seus intermináveis discursos, atualmente mesclados às perorações de Nicolás. Estaria tudo bem se fosse só por liderarem o ranking dos programas mais chatos exibidos na América Latina. Infelizmente há muito mais. Nos primeiros 51 dias deste 2015, o regime de Maduro colocou na cadeia a 151 adversários políticos, uma média de 3 por dia, como informa o Foro Penal Venezolano. O líder oposicionista Leopoldo López acaba de completar um ano na prisão, a deputada María Corina Machado perdeu o mandato em março último e na semana passada foi enfim detido o incômodo prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. Os três insistem em pedir o fim imediato do regime e a renúncia do presidente com o movimento denominado de La Salida (A Saída). Ledezma já não detinha poder algum, a não ser o de falar, mesmo que sistematicamente censurado pelos canais oficiais. É que cinco anos atrás Chávez criou o Governo do Distrito Capital, transferindo-lhe as competências e os recursos que até então competiam à prefeitura de Caracas.

A debacle econômica tornou-se inevitável depois que o preço do barril de petróleo encolheu de US$ 112,36 em junho último para os atuais 50 dólares. Assim, para uma produção diária de dois milhões de barris, a captação de divisas este ano deverá sofrer queda de 55%. A crise se traduz numa asfixiante escassez de produtos essenciais, no alto desemprego e na maior taxa de inflação do mundo (100% segundo a VenEconomy, ou 120% pela Caracas Capital Market). Apesar disso, o Banco Central continua a imprimir dinheiro e para cobrir dívidas imediatas com credores externos o governo empenhou parte da Citgo, sua subsidiária nos EUA, e aceitou pagamento à vista de US$ 1,9 bilhão pela República Dominicana cancelando-lhe um débito de US$ 4 bi. A crítica maior é de que o governo preferiu pagar a Wall Street ao invés de importar alimentos para minorar a penúria de seu povo. No câmbio oficial um dólar vale 6,30 bolívares, mas no mercado negro a cotação é de 1 para 190 b.. Em desespero de causa, para captar divisas o governo acaba de lançar o dólar Sinadi (Sistema Nacional de Divisas) que paga 172 b. e flutua. Contudo, o resultado pode ser uma alta explosiva nas cotações do mercado negro. A classe média, que se mantinha isolada, passou a enfrentar a concorrência dos pobres e miseráveis que invadem os mercados e shoppings de luxo em busca de frango, ovos, sabão.

Em particular a crise afeta o setor saúde. Nas farmácias, como por ordem do governo as prateleiras não podem ficar vazias, a solução é preenchê-las com garrafas de Pepsi-cola e com tubos de pasta de dente, embora inexistam escovas dentais. No ambulatório de um hospital em Mérida o cartaz na parede da sala de espera informa que “não há máscaras para nebulização (cada um deve trazer a sua), RX e seringas de injeção. A Federação Farmacêutica Venezuelana diz que 70% do Nomenclador (relação de produtos e medicamentos) está em falta. É inútil pedir no balcão por antibióticos, pomadas analgésicas, retrovirais, leite em pó, maisena, papel higiênico.

Um curioso mercado paralelo surgiu para marca-passos, vendidos a quem der mais. Conforme o Dr. Cristino García, Diretor-Executivo da Associação Venezuelana de Clínicas e Hospitais – AVCH – “familiares de falecidos (e doentes terminais) têm contatado os médicos e agências de distribuição para doar (sic) marca-passos”. Para ele a reciclagem de marca-passos está comprovada. Sua reutilização tem sido preconizada nos EEUU e na Europa, mas segue não legalizada. Já na Venezuela de hoje, como informa a Agência Associated Press, ofertam-se marca-passos usados pela internet. Na rede MacDonald’s as batatas fritas em falta foram substituídas por yuca (mandioca), mas o lanche ficou com gosto de papelão. No país do petróleo, em compensação, não há falta de gasolina barata. Enche-se o tanque daqueles enormes carros americanos por R$ 1,50. A aprovação popular de Maduro caiu para 20%, mas as milícias bolivarianas lhe dão a certeza de continuar no poder. Até quando?

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