[caption id="attachment_1257" align="alignright" width="300"] Saúde a conta-gotas (imagem de: www.sedufsm.org.br)[/caption]
(Vitor Gomes Pinto - **Apresentação no Observatório da Saúde do Distrito Federal em 14/11/2014)**
Esta é uma síntese, em tópicos, destinada a alimentar as discussões e análises pelos componentes do Observatório da Saúde do Distrito Federal em sua reunião semanal na sede da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), em Brasília. O tema do dia – Relações entre o público e o privado em saúde – também foi abordado pelo Dr. Jairo Bisol, Promotor de Justiça do Ministério Público do DF.
- Segundo pesquisa de junho/2014 do Instituto DataFolha1, 87% dos brasileiros apontam a saúde como a área de maior prioridade para o país no momento. 70% dos que buscaram serviços no SUS declaram-se insatisfeitos . Os pontos mais críticos em relação ao sistema público são o tempo de espera e o acesso. Procurado, o Ministério da Saúde informou que os recursos destinados à rede pública passaram de R$ 27 bilhões em 2003 para RS 91,6 bilhões em 2014, o que teria assegurado a cobertura de 60% da população pelas equipes de saúde da família e a “ampliação do acesso” a 50 milhões de pessoas pelos 14,4 mil médicos do programa Mais Médicos implantado muito recentemente, este último um número espantoso considerando que o programa foi implantado de maneira gradativa muito recentemente.
- Em artigo para a Revista Jurídica Consulex, Madeiro2 diz que a crise na saúde pública do Brasil deve ser considerada sob três aspectos: deficiência da estrutura física, falta de disponibilidade de material-equipamento-medicamentos e carência de recursos humanos. Em relação ao último ponto, refere que 60% de todos os profissionais da área da saúde no município de Fortaleza são contratados com vínculo precário de trabalho através de empresas terceirizadas ou cooperativas, em total afronta à Constituição. O governo brasileiro vem substituindo os concursos públicos por contratações via ONGs, OSCIPs, Cooperativas de Serviços, EBSERH. Em relação ao programa Estratégia de Saúde da Família diz que cobre apenas 40% da demanda. Ainda comenta que na periferia das grandes cidades a ausência de segurança e a criminalidade por vezes inviabiliza o trabalho das equipes de ESF. Por último acrescenta que o número de médicos no país, hoje por volta de 400 mil, aumentou 530% entre 1970 e 2011, período em que a população cresceu 105%, indicando que o país tem feito um enorme esforço para produzir uma quantidade superior de profissionais.
- Nota do Conselho Federal de Medicina3, considerando ainda um total de 350 mil médicos, informa que 160 mil deles (46%) atuam na saúde suplementar, produzindo 223 milhões de consultas e acompanhando 4,8 milhões de internações (informações para 2010, segundo o CFM). 80% das consultas, em um mês típico de consultório médico, seriam realizadas por meio de Plano de Saúde.
- Em junho de 2014 são 50.930.043 os beneficiários de Planos privados de Saúde, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS4. O número total de Operadoras do setor é de 898, uma redução de 33,2% em relação a 2003 e de 13,9% em relação a 2010, confirmando a rtendência à concentração setorial em torno das empresas de maior porte. O faturamento anual do setor, em 2013, foi de R$ 110,8 bilhões. A mesma fonte mostra dados da população por idade: 33% na faixa de 0 a 19 anos, 56% de 20 a 59 anos e 11% com 60 anos e mais, indicando que apesar do gradativo envelhecimento demográfico, o Brasil ainda está numa situação intermediária de evolução. Considerando esta e outras fontes, estima-se que no Brasil atual 34% dos gastos em saúde são diretos das pessoas, 23% correspondem a pagamentos de planos de saúde (57%, portanto, é gasto privado), 19% feito pela União, 11% pelos Estados e 13% pelos Municípios. Aproximadamente, há um dispêndio de R$ 840,00 per capita pelo setor público e pouco mais de R$ 998,00 per capita pelo setor privado.
- Considera-se5,6, com base em estudos de analistas diversos que as culpas pelas dificuldades setoriais podem ser distribuídas em: 1) deficiências de gestão, 2) baixa prioridade relativa no contexto das responsabilidades e compromissos governamentais, 3) agudo subfinanciamento, 4) modelo desgastado de condução e desenvolvimento do sistema (p.ex., municipalização não correspondida, centralização das normas, poder de distribuição dos recursos concentrados no Ministério setorial, desqualificação do papel dos estados). Abordando o âmbito internacional, lembra que há uma crescente descaracterização dos dois mais tradicionais modelos de atenção, o “sistema Beveridge”, baseado em um fundo oficial de recursos e serviços públicos proporcionados para todos, e o “sistema bismarckiano”, sustentado por descontos sobre a folha de salários e prêmios individuais, com vários fundos e serviços disponibilizados principalmente por prestadores privados para trabalhadores e funcionários de empresas. Os tempos, hoje, são de “Universal Health Coverage” (UHC), conforme proposta da OMS, com ênfase em regimes sob um pagador único e múltiplos prestadores de serviços, públicos e privados. Comentando a crescente descaracterização de regimes públicos na Europa, exemplificados pelo Reino Unido, Espanha e Portugal, inclui declaração do ex-presidente Mário Soares: “vejo com horror a privatização doas águas, das auto-estradas e da saúde”.
Vale repetir que o caminho para o setor saúde, sabe-se muito bem, está na organização competente de uma rede de atenção primária que dê solução efetiva aos problemas básicos de saúde de cada comunidade, impedindo que continuem a superlotar as salas de cuidados clínicos e cirúrgicos da rede hospitalar que devem ser reservadas para os casos de real complexidade. Seria mais efetivo e muito mais barato. Não há dúvida de que o Brasil tem para a saúde um sistema misto, público e privado, agora e no futuro. Há necessidade de novas regras e possivelmente de um novo sistema, com delimitação mais clara de espaços e responsabilidades, brecando o acelerado processo de degradação do modelo vigente. É possível manter sob controle a expansão da medicina supletiva e é possível que os serviços públicos melhores e que a atenção disponibilizada para a população seja de boa qualidade, não importa quem a está prestando. Isso já está acontecendo em outros países e não só no mundo mais desenvolvido. Quem sabe acontece também no Brasil? A tarefa, agora, é estruturar um sistema que, queiramos ou não, é inevitavelmente misto.
Referências
- Mais de 90% dos brasileiros estão insatisfeitos com saúde pública e privada. www.ebc.com.br/noticias/brasil/2014/08
- Madeiro, R.C.V. - Crise na saúde pública. Revista Jurídica Consulex. In: https://celoce.org.br/2013/08/artigo-crise-na-saude-publica/
- Conselho Federal de Medicina – Dados gerais sobre o setor. In: https://portal.cfm.org.br/Index.php?option=com_content&view
- Agência Nacional de Saúde Suplementar – Dados gerais. Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil - 2003-2014). In: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais. Rio de Janeiro, 2014
- Pinto, V.G. – Saúde em busca de socorro. In: www.mundoseculoxxi.com.br. Brasília, 2014
- Pinto, V.G. – Planos de Saúde, o Governo e o SUS. In: www.mundoseculoxxi.com.br. Brasília, 2014