Escócia em um reino desunido

setembro 07, 2014.

A Escócia faz parte do Reino Unido há 307 anos. Por que quer sair agora?

A febre separatista, que de tempos em tempos corrói a Europa, volta a manifestar-se exacerbando nacionalismos que cada vez mais parecem deslocados num cenário de tantos esforços e desafios para que a União Europeia (EU) e o euro se consolidem em definitivo. 2014 já assistiu a reanexação da Criméia pela Rússia, o plebiscito suíço decidindo impor restrições à entrada de estrangeiros e se prepara para o plebiscito do dia 18 deste setembro quando os escoceses decidirão isoladamente se desejam de fato romper o Acordo de União de 1707 que os fez juntarem-se à Inglaterra e ao País de Gales para formar o Reino Unido (RU) com a adesão da Irlanda quase um século depois (a partir de 1922, como resultado da guerra de secessão, restou a Irlanda do Norte). Há também os movimentos autonomistas do leste da Ucrânia e da Catalunha. É verdade que Donetsk e Luhansk ao invés de lutarem pela independência desejam agregar-se à mãe Rússia, enquanto na Espanha o governo de Mariano Rajoy do Partido Popular já declarou que o plebiscito previsto para 8 de novembro é inconstitucional, pois afeta a todas as demais regiões e não pode ser submetido a votação em uma só província, no caso a catalã.

O Reino Unido tem um território de 245 mil km2  e uma população de 62 milhões de habitantes assim distribuídos: Inglaterra (53,2% da área e 83% da população), Escócia (respectivamente 32% e 8,5%), Irlanda do Norte (5,6% e 2,9%) e País de Gales (8,5% e 5%). Restam-lhe, ainda, quatorze territórios ultramarinos e três dependências da Coroa com 1,7 milhões de km2. Caso se concretize a separação da Escócia esta será a maior crise a que será submetida a União em seus mais de três séculos de existência. As possibilidades de que o “sim”, favorável à independência, triunfe tornou-se mais clara diante do resultado da última pesquisa de opinião que pela primeira vez lhe deu uma estreita vantagem com 51% das intenções de voto. A aliança “Melhor Todos Juntos” tem agora pouco mais de uma semana para reverter um resultado que seria catastrófico para a administração do Partido Conservador e de David Cameron, procurando convencer os votantes de que em caso de vitória do “não” a Escócia teria o melhor dos dois mundos traduzido em mais poder com maiores taxas e orçamento próprio sob a segurança jurídica da permanência no RU e na UE. Em caso raro, os três grandes partidos britânicos – Conservador, Trabalhista e Liberal – têm posição unânime contra o plebiscito liderado desde o palácio de Holyrood em Edinburgo pelo 1º ministro escocês Alex Salmond.

Enquanto o referendo para a saída da Criméia necessitou apenas oito dias de campanha, o movimento escocês já completou cinqüenta anos de luta, contados a partir de 1964 quando o Scottish National Party (SNP) desfraldou a bandeira do separatismo argumentando que os lucros com a produção e venda do petróleo e do gás descobertos no Mar do Norte deveriam pertencer exclusivamente à Escócia. Quinze anos depois um referendo que por pequena margem assegurava a transferência de direitos de Estado ao parlamento escocês foi anulado sob o argumento de que somente 40% dos eleitores haviam votado pró-separação, mas com a chegada dos trabalhistas ao poder (no período Thatcher e Major de 1979 a 1997 nada aconteceu) a Escócia adquiriu uma autonomia limitada dentro do RU e Alex Salmond pode começar uma “conversação nacional” que desaguou na obtenção de maioria absoluta no parlamento escocês por parte do SNP que, então, em 2011, fez aprovar a decisão de realizar o atual plebiscito.

A escolha é entre maior autonomia e separação irreversível. A primeira hipótese já está em discussão na Casa dos Comuns (equivale à Câmara dos Deputados) em Londres por proposta de Gordon Brown, o ex-1º ministro britânico. De qualquer maneira, a vitória do “sim” não assegura a imediata independência, pois o próprio plebiscito prevê um período de dois anos para deslindar os complexos trâmites burocráticos que serão inevitáveis. Um dos problemas a superar caso a nova nação seja instituída é a sua adesão à União Europeia, com uma demora - incluindo a autorização dos demais membros - prevista para cinco ou seis anos. Hoje a Coroa tem a palavra final, no parlamento escocês, em temas como impostos, segurança social, forças militares, relações internacionais, radiodifusão. Esses poderes, seja qual for o resultado das urnas na 5ª. feira 18, serão reduzidos.

Que vantagens teriam os escoceses com a autonomia total: uma moeda própria, uma cadeira na ONU e na União Europeia sem mais ter o beneplácito da rainha, um banco nacional, a possibilidade de fazer diretamente acordos com outras nações, arcar com os custos e as responsabilidades de sistemas nacionais de educação, segurança e saúde? Tudo isso já lhes está assegurado por serem parte do Reino Unido e pelo menos metade de seu povo está plenamente satisfeito com as regras seculares que determinam seu dia-a-dia. Provocar o enfraquecimento, de dentro para fora, do Reino Unido, é de uma irresponsabilidade sem limites, que nacionalismo algum pode justificar. Mas, este pode ser o grande e trágico legado que os tories (conservadores ingleses) – depois de descaracterizarem o modelar Sistema Nacional de Saúde – afinal deixarão para a sua terra.

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