2014 é diferente de 1914?

agosto 02, 2014.

Cem anos passados e alguns dos mesmos fantasmas teimam em assombrar o mundo, com semelhanças assustadoras. Em 28 de julho de 1914 o Arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do Império Austro-Húngaro, foi assassinado pelo nacionalista sérvio Gavril Princip em Sarajevo, ateando as chamas da 1ª. Guerra Mundial, a Grande Guerra que em quatro anos vitimou cerca de 10 milhões de pessoas (e muito mais, indiretamente, ao não permitir o enfrentamento adequado da gripe espanhola em 1918). De um lado a Tríplice Entente com Reino Unido, França e Império Russo; de outro a Tríplice Aliança com Áustria, Hungria e o Império Alemão com apoio inicial da Itália. Dizia-se que seria a guerra que acabaria com todas as guerras, mas a 2ª. matou 59 milhões e ao longo do século XX os conflitos armados tiraram a vida de pelo menos 170 milhões de homens, mulheres e crianças. Candidatas a serem uma nova Sarajevo não faltam, mas mudam a cada momento: Grozny na Chechênia, Tbilisi na Geórgia, Donetsk na Ucrânia, a Faixa de Gaza, Damasco, Piogiang...

Como agora, o século XX luzia pleno de otimismo e a vida nas capitais européias era encantadora graças aos frutos da industrialização e da recém finda época vitoriana, o imperialismo começava sua trajetória com a divisão da África, Ásia e Oceania entre as grandes potências que (à exceção da Rússia do Czar Nicolau II) eram flamantes democracias parlamentaristas. Impunham-se políticas de proteção trabalhista e a globalização vinha acompanhada das novas tecnologias, com o telefone, os trens, o barco a vapor e inaugurando as viagens comerciais o primeiro passageiro viajou entre St. Petersburgo e Tampa na Flórida. As economias européias estavam tão integradas que uma guerra era inimaginável face à era de progresso e de livre comércio alcançada pela humanidade. Não obstante, algumas sombras podiam ser identificadas por um observador atento como Stefan Zweig que escreveu: “toda uma geração de jovens havia deixado de crer nos pais, nos políticos e nos mestres, voltando as costas a qualquer tradição. A homossexualidade e o lesbianismo se converteram em grande moda. Na arte impuseram-se as extravagâncias e o uso de estupefacientes se impôs.” Alguma similaridade com este começo de século XXI?

[caption id="attachment_822" align="alignright" width="215"]1a. Guerra Mundial - Livros Infantis Usborne 1a. Guerra Mundial - Usborne Children's Books[/caption]

Para Strobe Talbott, presidente em Washington da Brooking Institution, um laboratório de idéias, uma combinação de três fenômenos torna perigoso o período atual: a) a desilusão com os distintos sistemas de governança, ai incluídas as democracias ocidentais; b) o crescimento de um nacionalismo corrosivo e, c) o acúmulo de conflitos que de fato ameaçam a estabilidade global. Apenas há um ano não tínhamos qualquer confronto entre os grandes países, mas eis que chegamos a agosto com o perigo de conflito na Europa face às iniciativas de Putin que elevou a um novo patamar o padrão de relações internacionais ao anexar a Criméia e agir dentro da Ucrânia, o Oriente Próximo poucas vezes esteve tão agitado, há crescentes tensões entre China e Japão, dissolvem-se as fronteiras estabelecidas após a 2ª. Guerra na Europa e no Oriente Próximo, os tanques e as bombas voltam a tomar a Palestina.  No processo, não há culpados simples ou isolados, como analisam em recentes textos El País e The Economist. A tecnologia militar é, por si, uma explicação insatisfatória considerando que alguns dos piores morticínios como os de Camboja e da África Central foram cometidos com rifles, armas brancas e porretes. Hitler, Stalin, Mao contaram com a complacência e o ativo apoio de milhões de seguidores. Niall Ferguson em seu livro The War of the World observa que algumas das mais sangrentas guerras civis aconteceram durante as ondas democratizantes dos anos 1920, 1960 e 1980, o que levou a professora de Oxford Margaret McMillan a escrever outro livro emblemático numa referência ao conflito de 1914-18: The War that ended Peace (a Guerra que acabou com a Paz).

Por um lado, partidos nacionalistas de ultra-direita, abertamente racistas e xenófobos com plataformas que pedem a dissolução da União Europeia, decisões intranacionais, expulsão de migrantes e a volta dos controles de fronteira, acabam de conquistar fatias relevantes, nas eleições deste ano para o Parlamento Europeu, graças aos votos recebidos na França, Reino Unido, Holanda, Alemanha, Itália, Hungria, Grécia, Finlândia. Ainda não têm peso para mudar votações e resultados, mas obtiveram um ruidoso espaço para expressar suas vontades. Por outro lado há paralelismos inquietantes: a China que constrói seus exércitos de maneira acelerada poderia ser um simulacro da Alemanha Imperial de 1914; o Japão ocuparia o lugar da França e Os Estados Unidos substituiriam a Grã-Bretanha como potência declinante e incapaz de garantir a segurança mundial. Resta a lição de que é urgente alcançar um melhor relacionamento, mais integrado, entre as grandes potências, tentando evitar “acidentes” como o que derrubou o avião da Malaysian Airlines e as políticas econômicas mais nefastas como a que gerou a crise de 2008 ou a que agora condena a Argentina ao default.

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